Aqui, no meu quarto, ainda é dia. Mais precisamente, horário pré-almoço. Tem alguns dias que eu não como direito por estar entrando em período depressivo, mas nunca me senti com tanto gás para lutar contra ele. Uma das razões dessa dedicação é que o período letivo da faculdade vai voltar e por mais que eu queira chorar, me encolher e fugir, ao mesmo tempo eu quero me arrumar, ir até lá e aprender algo útil. Outra razão são meus amigos. Nossa, eles estão afiados, merecem até a famosa frase "dar nome aos bois". William, Deborah, Sinclair, Ian, Eduardo, Yasmin, Laryssa e Brenno merecem um troféu. Mas não posso deixar de fora uma pessoa muito importante que está do meu lado tem bastante tempo.
Resolvi entrevistar o Luiz Gustavo (21 anos) porque recebi perguntas anônimas e não-anônimas (sim) sobre como ele aguentava ter um relacionamento comigo visto que... bom... problemas psicológicos, cuco da cabeça, etc. Acho que essas pessoas, hã, não leram o primeiro post do blog onde eu dei ênfase no SOMOS NORMAIS.
(Quero dizer, somos o mais normal que podemos ser. É verdade que desde que começamos a namorar eu troquei de cor de cabelo 4 vezes. E também é verdade que nós comemoramos o dia dos namorados no Parque da Barra em que eu usava uma peruca comprida rosa choque. Ok, eu admito. É estranho o fato de eu tacar alho nele periodicamente para checar se ele não virou um vampiro. Ou então quando ele começa a inventar palavras e eu fico corrigindo porque porra NÃO EXISTE UMA SALGADARIA. Tem também as ocasiões em que eu falo muito alto de noite ou grito coisas como "Churrasco de carne humana, galera!" e ele me cutuca com sono mandando eu calar a boca. Também não gosto de pausar conversas para ir no banheiro, então eu sempre peço que ele venha comigo e fique do lado de fora da porta conversando. Como eu disse, o mais normal que podemos ser.)
Vamos pular para a entrevista e ver o que Luiz Gustavo tem a dizer sobre isso (ele me pediu para dizer que é meu futuro marido).
Eu: O termo "border". Antes de me namorar, você já tinha ouvido falar sobre isso? Já tinha conhecido alguém com o quadro?
LG: Não que eu saiba. Talvez. Pode ser, mas para mim eram pessoas normais.
Eu: Você sabe que o borderline é algo bem específico. No caso, eu sou, mas nem todo mundo é. As pessoas podem ler meu blog e pensar que os sintomas batem e se auto-diagnosticarem, o que é um problema.
LG: Aham. Como você já fez muitas vezes.
Eu: É, mas eu sou realmente diagnosticada.
LG: Mas antes você ficava pesquisando sobre doenças psicológicas... E você tentou me diagnosticar!
Eu: É... Ok... Desculpa por isso.
(Rimos)
Eu: Saindo de termos específicos, eu estava um dia desses olhando um tópico no Facebook e o que eu mais reparei eram pessoas (nem sempre diagnosticadas) comentando que sofrem de ansiedade e depressão. Então, vamos começar com um "Pra você, o que é ansiedade"?
LG: Eu sou muito ignorante, Vee...
Eu: Não tem problema, me passa o seu ponto de vista.
LG: Ansiedade é você esperar muito por uma coisa. Por exemplo, o meu primeiro dia do meu primeiro emprego, eu passei a noite em claro revirando na cama, ansioso sem saber porque eu estava ansioso, entendeu? Isso para mim é ansiedade, na minha ignorância.
Eu: Ok, então, como resposta para você, vou te dizer que a ansiedade vai muito mais além do que isso. A pessoa que tem ansiedade pode precisar de medicação em alguns casos. A ansiedade pode fazer você não comer, não dormir, pensar 24h em um assunto, você relembra coisas que aconteceram há muito tempo atrás, você não consegue andar... O seu corpo cria um mecanismo de auto-destruição porque ele fica completamente ansioso e você parece que está paranoico. Ou seja, vai muito além de "Ah, um amigo vem me visitar, estou ansioso". Não. Ok? E depressão? Como você vê isso?
LG: Até um tempo atrás, achava que era uma das piores doenças psicológicas que se podia ter. (Ele começou a compartilhar comigo algumas experiências sobre contato com pessoas com depressão. Não achei correto publicar.) Entrei em contato com pessoas deprimidas com 15 ou 16 anos. Me assustava o fato de alguns quererem tirar a própria vida. Parecia extremo. Era mais do que ficar na cama o dia inteiro.
Eu: Então você já aprendeu "cedo" que algumas características da depressão são: perder a vontade de coisas que você gostava, evitar sair com amigos ou qualquer outra saída, chorar sem motivos, sentir um vazio absurdo e uma angústia, se isolar. Se eu pudesse caracterizar depressão numa frase, eu diria "O mundo não precisa de mim aqui, não vai fazer falta". Mas não é real.
LG: Não é. Mas quantos casos você vê por aí notificando de gente que tirou a própria vida?
Eu: Aí é o ponto. Você não vê. A mídia não publica isso, nem dá foco para isso, mesmo sendo muito importante. Certo, você chega em casa e encontra uma pessoa sofrendo uma crise de ansiedade. Qual sua reação?
LG: Devo me espelhar em você?
Eu: Tanto faz.
LG: Eu ia tentar distrair a pessoa (você) e procurar os pais urgente ou o terapeuta da pessoa. O mesmo seria para alguém deprimido. Eu sou muito disposto a dar apoio emocional também. Se você quiser conversar, eu sempre vou estar disposto a ouvir.
Eu: Vamos canalizar algo que você falou que eu achei interessante. Em ambas as situações, sua reação seria chamar os pais ou um responsável, até mesmo um terapeuta, certo?
LG: Sim. As pessoas mais velhas, que tem experiência na área psicológica podem ajudar melhor. E o pai ou a mãe tem força para lidar com a situação. A maioria das pessoas não sabe como agir, Vee. Às vezes é melhor ficar calado se não souber como ajudar.
Eu: E se você realmente quiser ajudar a pessoa? Pode se espelhar em nós.
LG: Eu já tentei inúmeras vezes te ajudar. Eu tentava te distrair e você estava mal, então simplesmente se irritava comigo por eu ficar fazendo perguntas e não entender o que você sentia. Eu tentava a tática do "Eu não entendi, me explica" e você respondia "Vamos parar aqui, fica calado". O meu plano sempre foi falar "Qualquer coisa eu estou aqui" e eu realmente estava lá. Eu também sofro com os estilhaços que você solta durante a conversa, você também sabe me atingir. (desculpa!)
Eu: No caso, você disse que estaria do meu lado e está firme e forte. O que acontece, porém quando a pessoa tem algum amigo que diz a ele "Pode contar comigo sempre" e simplesmente não tem tempo ou some? Ou até não tem um psicológico firme para aguentar o psicológico da pessoa com problemas?
LG: Então por que a pessoa falaria em primeiro lugar? Não faz sentido ela entrar, como diz a sua metáfora, no "mar de merda" se ela não estiver disposta a tomar ondas.
Eu: Eu te amo. Ok, agora vai a bomba. Me perguntaram como você me aguenta durante todo esse tempo de namoro, praticamente todos os dias e todas as noites. Então, dê aos curiosos sua resposta. Espaço aberto para você.
LG: Eu só te amo, sou apaixonado por você. Vai além do amor, eu me sinto responsável por você um pouco. Mas eu não "aguento", isso não é um sacrifício. É um dever, mas também um privilégio porque você é minha namorada e eu escolhi passar minha vida com você. Se você gosta de uma pessoa, olha só... Essa é uma dica para todos aí...
Eu: (Rindo alto. Momento Gustavo Guru do Amor.)
LG: Você conhece a pessoa. As coisas crescem, se esse amor for mútuo e tudo der certo, significa que você tá gostando dessa pessoa e quer seguir mais em frente. Eu tenho a cabeça de que só vou namorar alguém quando for para casar. Não quero conhecer alguém para ter data de validade.
Eu: Isso é meio Ted Mosby...
LG: Mas é! Cara! Tipo, porra... Pra que eu vou começar a namorar se eu já sinto que vai acabar?
(Ele começou a viajar então CORTA!)
Eu: Então, seguindo a linha de How I Met Your Mother, a gente sabe que tem o momento Oh! do relacionamento que é quando você descobre algo sobre a pessoa... Lembra? A teoria do Barney. Teve um momento Oh! comigo?
LG: Não, eu sempre soube do seu Oh!. Só não sabia se era um Oh! ou um WOW! E é intenso, só pra deixar claro.
(Rimos muito.)
Eu: Sou muito difícil de lidar?
LG: Sim.
Eu: Tá. Ok... Eu já tive crise na sua frente.
LG: Quando você tentou destruir minha casa porque te chamaram de louca? Eu achei que era mais uma parte de você sendo raivosa e não uma crise.
Eu: Não, era a minha parte inconsciente dizendo "Ok, se me acham louca então eu realmente vou mostrar que eu sou louca".
LG: Sim e então eu comecei a quebrar as coisas junto com você até pararmos. Você não ficava de boas.
Eu: Como eu ia ficar de boas no meio de uma crise?
LG: Ah, quando eu comecei a porrar o armário você ficou bem de boas rapidinho.
Eu: Claro! Você me assustou. Eu nunca vi ninguém ser mais agressivo que eu, fui pega desprevenida. Mas foi uma lição. Só da próxima não comece a esmurrar as coisas ao redor.
LG: Eu raramente faço isso.
Eu: Namoramos a bastante tempo e você me vê como uma pessoa normal? Extrovertida, engraçada...
LG: Sim.
Eu: Você sabe qual o propósito desse blog?
LG: Um pouco.
Eu: Eu quero que as pessoas se sintam abraçadas aqui. Que vejam que não estão sozinhas e não devem ter vergonha do que elas tem. O que me preocupa são as pessoas se auto-diagnosticarem pelo Google ou que elas leiam aqui e pensem "Nossa, eu tenho todos esses sintomas, preciso procurar ajuda". Quando eu fui na psicóloga na primeira vez, eu não sabia o que eu tinha. Eu achava que era depressão, mas o que eu disse para ela foi "Eu acho que tem alguma coisa errada comigo".
LG: Melhor prevenir do que remediar?
Eu: Sim. Voltando ao assunto, então você me acha legal?
LG: É. Eu te acho bacana.
Eu: Seu escroto. (Ele ainda não superou o fato de eu ter dito que uma característica dele era ser bacana) Enfim, pro futuro pensamos em construir a nossa família, casar etc. Você tem medo que eu passe a doença geneticamente pros nossos filhos?
LG: Não.
Eu: E se eu passar?
LG: Passou.
Eu: Como você acha que vai ser a criação deles?
LG: Privilegiada e da forma que eles merecem, a melhor. Eu não tenho medo, se acontecer aconteceu.
Eu: Ai, meu Deus! O gravador gravou meu peido. (Pausa porque morremos de rir). Seriedade agora. Como você se sente quando vê que eu me auto-mutilei?
LG: Eu me sinto responsável porque penso que se estivesse junto com você no momento, você não teria feito.
Eu: E se eu me sentir mal por você se sentir responsável?
LG: Aí você faz isso? Mas você segurou por muito tempo. Dá para segurar. Você é forte.
(Pausa porque eu sou uma péssima repórter e desmoronei durante a entrevista.)
LG: Você se importa muito com pessoas que não se importam com você ou nem falam com você. Tenta se importar com quem fala com você. Aquele menino, André do Twitter. A sua ex, a flor. Os seus amigos que eu conheço, Nathan, William, Deborah, Eduardo, entre outros. Essas pessoas entram em contato com você sempre, elas se preocupam.
(Perdi o rumo da entrevista e de mim mesma. Desculpa. Luiz Gustavo passou 32 minutos e 17 segundos tentando me reconfortar, mas não tem sentido colocar isso aqui.)
LG: Você quer voltar para a entrevista?
Eu: Sim. Como é ter uma rotina comigo?
LG: A rotina com você é bem frequente. A gente se dá muito bem mesmo. Quando estamos longe (o que é uma ironia porque moramos a 4 minutos de distância), a gente não tem o mesmo tipo de tratamento um com o outro. Eu às vezes demoro a responder as mensagens e você fica mais fria e irritada. Resumindo a rotina é ótima com você, eu te amo muito, mas com certeza assim como outros casais (eu acho) temos que trabalhar em certos pontos no nosso relacionamento. Apesar do fato de que já superamos muitos obstáculos. Só tem umas coisas estranhas, mas é porque você é estranha mesmo, tipo lamber minha cara. Ou jogar alho em mim.
Eu: Acho que já deu para passar uma mensagem boa, não?
LG: Sim. Todos que tem qualquer tipo de transtorno psicológico, do menor ao maior, são fortes. Na verdade, são mais fortes que todo mundo por ainda estarem aqui. Desistir é a coisa mais fácil que tem, continuar que é muito difícil.
Obrigada, Guti, pela sinceridade nas respostas. Desculpa por cortar tanta coisa que você disse, mas você divaga muitos nos assuntos. E obrigada por responder aos que perguntaram como é namorar comigo e como me "aturar". Como podem ver, mais fácil que roubar doce de criança. Não que vocês devam fazer isso para testar, só avisando.
Lindos. Adorei. Fico aqui pensando. Ele não comentou que já quebrei a sala quase toda. Acho que de vez enquanto é bom dar uma surtada. Fiquei num tremendo prejuízo, tive que comprar tudo. Estou precisando quebrar algumas coisas. Nem que seja a cara de alguém. Será que estou pirando? Isso não sai da minha cabeça. Acho que preciso de ajuda.
ResponderExcluirTia Jane, às vezes QUALQUER PESSOA precisa quebrar alguma coisa para esvaziar a cabeça e tirar a raiva de dentro pra fora. Não é pirar. Pega uns potes de azeitona e manda brasa na parede.
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